Uma surpresa vinda de Lavre

Parece um nome estrangeiro, mas não é! A surpresa é mesmo portuguesa e veio de Montemor-o-Novo, junto com algumas outras garrafas, como tantas vezes acontece. Provei-as sem pressa, e houve uma neste dia que se destacou de forma clara: a de Monte da Bica tinto Grande Reserva 2020, um tinto profundo mas elegante (dois adjetivos que nem sempre se encontram no mesmo vinho) que me ficou na memória desde o início da prova.
Conheço o trabalho e o estilo do enólogo há já alguns anos e, curiosamente, o primeiro pensamento que me veio à cabeça foi pensar que o vinho podia muito bem ter sido feito pelo Andrés Herrera. Tinha um registo potente, mas onde a fruta não se impõe à força, apenas se insinua e faz parte da identidade do vinho…. E não é que era mesmo? Andrés Herrera, acompanhado por Madalena Torres Pereira, assinam este vinho marcante, que está para durar!
São 33% de Cabernet Sauvignon, 33% de Merlot e 33% Alicante Bouschet, uma fórmula que só podia resultar num tinto de personalidade. As vinhas, com mais de 15 anos, estão implantadas junto à poviação de Lavre, num Alentejo que mistura barros e areias e que oferece amplitudes térmicas generosas. A colheita é manual, o trabalho é discreto, a produção é limitada. Tudo é feito como deve ser para a produção de um vinho deste perfil.
A fermentação é feita em pequenos lagares, e depois o vinho segue para barricas de carvalho francês e americano, onde repousa durante dois anos. Chega aos 14% de álcool, mas não há peso, especialmente se o vinho for provado (ou bebido) à temperatura correcta. O nariz também é sério: cacau, fruta madura, mineralidade, notas de madeira, tudo a conjugar-se em harmonia. E na boca, o mesmo registo, com taninos presentes mas educados, fruta preta viva, um Alentejo de perfil clássico mas com interpretação moderna.
Não tinha ainda muitas informações sobre o projecto. Li que pertence à família Pinto Gouveia desde 1919, que a herdade viveu décadas entre a produção de cortiça e cereais, e que só em 2016 o vinho entrou de forma séria na equação. Desde então, com Herrera ao leme, acredito que o projecto continue o seu bom rumo.
Hoje, a propriedade prepara-se para crescer. Em breve haverá um novo hotel, novos lagares de pisa a pé, sala de provas. Um investimento de mais de 1,5 milhões de euros. A ideia, percebe-se, é tornar a herdade uma referência.
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O portefólio tem dez vinhos. Há vinhos de todos os estilos (brancos, rosés e tintos) uns mais acessíveis e outros mais complexos, e no meio desta variedade garrafas como esta, que chegou no meio de tantas outras, sem história contada, mas acabou por contar uma!
Já agora, termino com uma sugestão: Um vinho tão bom merecia um rótulo mais arrojado, mais ‘tcham’! Quando recebi as garrafas para prova, os rótulos fizeram-me pensar, de imediato, na Quinta de Lemos, no Dão! Aquele símbolo formado por uma espécie de quatro meias luas é muito semelhante! A semelhança é tão evidente, nos primeiros segundos, acreditei mesmo que vinham de lá. Mas afinal não. E como estes vinhos têm tanto a dizer, talvez fosse justo que o rótulo também o dissesse com mais criatividade! Just Saying…
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