Enoturismo subaquático e vinhos Submersos: Moda passageira ou nova tendência?

Sines recebeu, nos dias 20 e 21 de junho, o primeiro evento de enoturismo subaquático alguma vez realizado em Portugal. O ‘Subaquatic Wine Tourism Experience’ levou jornalistas, investigadores, sommeliers e produtores a mergulhar, literalmente, numa nova abordagem ao envelhecimento do vinho, protagonizada pelo ambiente subaquático.
Mais do que destacar uma tendência em ascensão, o evento procurou, de forma honesta e científica, perceber se vale mesmo a pena afundar vinhos em meio subaquático, ou se tudo não passa de uma operação de marketing bem embalada. A pergunta é legítima: será que este tipo de envelhecimento acrescenta valor real ao vinho? Que tipo de vinhos se devem afundar? Que estratégia adoptar? Sem evidência científica clara, o sector continua a navegar em águas pouco exploradas, e este evento pretendeu precisamente lançar as primeiras boias de orientação.
A iniciativa, organizada pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo e pela Câmara Municipal de Sines, com concepção e produção da Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO), assinalou um momento pioneiro no panorama vitivinícola nacional. Durante dois dias, Sines foi palco de provas comentadas, experiências gastronómicas e uma conferência científica que procurou responder à pergunta central: o meio subaquático transforma realmente o vinho?
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É importante esclarecer que, apesar do mar ter estado em destaque, o evento não se centrou exclusivamente no ‘vinho do mar’. A discussão científica e sensorial abrangeu o envelhecimento de vinhos em diferentes contextos subaquáticos: oceano, minas e barragens. Um dos vinhos em prova, por exemplo, veio da Quinta do Gato, envelhecido numa mina em Portugal, em São Pedro do Sul, região do Dão. E há registos anteriores em Portugal de envelhecimento em locais como o rio Douro, na zona de Foz Côa, ou a barragem do Alqueva, no Alentejo. No entanto, foi em Sines que, a partir de 2010, Joaquim Parrinha iniciou o envelhecimento sistemático de garrafas no mar, dando origem ao conceito contemporâneo de ‘vinho do mar’ em Portugal.




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Na conferência científica ‘Segredos Submersos: o Enigma dos Vinhos Subaquáticos’, duas especialistas da Universidade de Évora trouxeram dados e reflexões importantes. Cristina Barrocas Dias, professora doutorada do Departamento de Química, explicou que o vinho é «um ser vivo, que está constantemente em evolução». E acrescentou: «A temperatura, a luz e a profundidade em que o vinho está submerso provocam alterações naturais, seja a nível de cor, de adstringência ou do próprio envelhecimento.»
Já Maria João Cabrita, professora doutorada em Ciências Agrárias, propôs um novo conceito que pode marcar a discussão futura: «Se em terra falamos de terroir, no mar podemos falar de ‘marroir’.» A metáfora foi alargada ao meio subaquático em geral: «As variações são tantas, como a pressão, ausência de luz, temperatura, tipo de rolha, agitação da água, que não existe ainda uma explicação única. Cada local e cada profundidade geram condições distintas de evolução.»
A prova de vinhos demonstrou essa complexidade. Foram analisados vinhos brancos, rosés, tintos (e até ginja e rum) envelhecidos debaixo de água por 12, 15 ou mais meses. Alguns vinhos revelaram-se mais macios, outros mais adstringentes ou ácidos. Outros quase não se alteraram. Curiosamente, os brancos foram os que mais alterações mostraram na prova sensorial. Nos tintos, especialmente os mais complexos, também se notaram diferenças marcantes. Uma conclusão consensual foi que os vinhos de melhor qualidade e estrutura evoluíram melhor, enquanto os menos estruturados mostraram poucas alterações.
Cristina Barrocas Dias destacou o papel de certos compostos fenólicos nesta evolução, principalmente no caso dos brancos , mas sublinhou sempre que o fenómeno ainda está longe de ser plenamente compreendido e que tudo não passa de teorias. Joaquim Parrinha, mergulhador e proprietário da Adega do Mar, acrescentou que até a presença de vida marinha nas garrafas pode variar consoante o local e profundidade de afundamento, o que confere identidade visual e simbólica aos vinhos.
O painel contou ainda com Pedro Martínez, da Bodega Verónica (Murcia, Espanha), que apresentou um projeto internacional de envelhecimento subaquático com foco na sustentabilidade, e com Jacinta Sobral, produtora da Serenada e representante da APVCA (Associação de Produtores de Vinho da Costa Alentejana), que destacou o potencial desta abordagem para diferenciar e valorizar o enoturismo da região.


Além da dimensão científica, o evento sublinhou o seu enorme potencial turístico: mergulhos guiados para recuperação de garrafas, provas comparadas entre vinhos envelhecidos em terra e no fundo do mar ou da mina, e experiências gastronómicas à beira-mar mostraram como o enoturismo subaquático pode ser simultaneamente inovador, sensorial e emocional.
Com este primeiro passo, o Alentejo, e particularmente sines, posiciona-se na vanguarda do enoturismo subaquático, num território que ainda está a ser explorado. O vinho português mergulhou em novas profundezas. E, ao que tudo indica, esta viagem só agora começou…
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