Artigo

O calendário do viticultor

Sem boas uvas, não há bons vinhos. Mas até nascerem as uvas que dão origem ao vinho que nos acompanha à refeição, o viticultor tem de seguir um rigoroso calendário de tarefas que lhe trará, como recompensa, a qualidade do vinho produzido. A boa gestão e execução dos trabalhos na vinha ao longo do ciclo vegetativo torna-se por isso essencial.

O vinho virou moda. E ainda bem! São cada vez mais pessoas a descobrir e a apreciar a sua riqueza, que faz parte de uma cultura bem vincada no nosso país. No entanto, nem todos sabem o trabalho que dá produzi-lo, desde a vinha, até ao copo. Vamos então analisar todas estas fases para uma maior compreensão.

O sucesso de um vinho depende da gestão de uma vinha bem cuidada e de uma execução rigorosa das tarefas ao longo do ano. As operações no terreno sucedem-se de forma contínua, garantindo a saúde das videiras e a qualidade da produção. Uma dessas fases inicia-se logo após a vindima, entre Outubro e Novembro, quando se procede à mobilização dos solos para preparar as vinhas para um novo ciclo e optimizar a absorção das chuvas outonais e invernais.

A poda


Entre Novembro e Fevereiro inicia-se um novo ciclo da videira, marcado pela realização da poda seca . Esta intervenção tem lugar após a queda total das folhas, quando a planta entra em dormência. A poda consiste no corte de parte dos ramos da videira e tem como principais objetivos definir a estrutura da planta, controlar a produção do ano seguinte e equilibrar o vigor e o rendimento da videira. Sem esta prática, a planta tende a produzir um número excessivo de cachos com bagos pequenos e de fraca qualidade, comprometendo a colheita. A poda seca é, por isso, essencial para garantir boas condições de produção e um desenvolvimento vegetativo equilibrado.

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Tratamentos na vinha


Com o fim do inverno e o início da primavera, inicia-se um novo ciclo na vinha: as videiras rebentam e começam os tratamentos fitossanitários. A videira está sujeita a doenças — provocadas por bactérias, vírus ou fungos — e a pragas, que envolvem ataques de animais, como insetos ou aves, que causam danos na planta. Em Portugal, algumas das doenças mais comuns são o míldio e o oídio, ambos fungos que atacam os órgãos verdes da videira. Entre as pragas mais frequentes destacam-se a traça da uva, que atinge os bagos em várias fases do seu desenvolvimento, a cigarrinha verde e o aranhiço vermelho, que provocam prejuízos na folhagem. Os tratamentos fitossanitários visam proteger a videira desses agentes, sendo adaptados em função da região, do tipo de solo, da casta e das condições climáticas. O número de pulverizações e o tipo de produtos aplicados pode variar bastante, sendo os tratamentos ajustados ao longo do ciclo vegetativo até à maturação. Nas vinhas onde se faz mobilização do solo, iniciam-se também as lavouras e as escavas para eliminar ervas infestantes e facilitar o arejamento da terra.

Entre Abril e Maio, antes da floração, realiza-se a poda em verde, uma prática comum da viticultura moderna. Com a planta em crescimento activo, eliminam-se todos os rebentos que não interessam para a produção, o que permite um melhor equilíbrio vegetativo e favorece o bom desenvolvimento dos cachos. Nesta fase, limpam-se também os troncos da videira, removendo os chamados ‘ramos ladrões’ que tenham rebentado. Em algumas explorações, esta operação decorre quando a videira já tem folhas desenvolvidas, sendo igualmente considerada poda em verde. Ao reduzir a massa foliar excessiva, esta intervenção limita a expansão vegetativa e direciona os recursos da planta para a frutificação, contribuindo para a qualidade final das uvas.

A poda em verde inclui várias operações como o despampanamento, a desfolha e a desponta, e o seu principal objetivo é gerir o desenvolvimento da vegetação, garantindo uma boa exposição solar e ventilação dos cachos, factores essenciais para prevenir doenças e favorecer uma maturação equilibrada.

Nesta mesma fase do ciclo realiza-se, muitas vezes, a empa, uma operação distinta da poda, mas complementar. Consiste em dobrar e amarrar as varas da videira (resultantes da poda seca) aos tutores, normalmente arames, que sustentam a estrutura da planta. A empa permite organizar o crescimento da videira, assegurar uma melhor distribuição da folhagem e facilitar os tratamentos e as restantes operações culturais ao longo do ano. Embora a sua execução possa coincidir com o início da primavera, não deve ser confundida com a poda seca, que é feita durante o repouso vegetativo, no inverno.

Entre Maio e Junho, as videiras entram em floração e, a partir daí, formam-se os bagos, que se desenvolvem até Julho e Agosto, altura em que ocorre a mudança de cor, a chamada ‘fase do pintor’. Este termo, que deriva do francês véraison, assinala o início da maturação. Nos tintos, os bagos verdes ganham tonalidades avermelhadas, arroxeadas ou azuladas, enquanto nas castas brancas a transição é mais subtil, passando do verde intenso para tons amarelo-dourado.

Durante esta fase, dá-se a acumulação de açúcares nas uvas e a redução da sua acidez, um processo crucial para a qualidade do vinho. É também nesta altura que, em algumas vinhas, se realiza uma poda de cachos (ou desavinho), retirando os excedentes para concentrar a qualidade nos restantes. Os tratamentos das plantas e do solo continuam, sempre que necessários, para garantir a sanidade da vinha até à vindima.

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As vindimas são um dos principais cartazes de promoção turística de várias regiões



Finalmente, entre Agosto e Outubro, dependendo das regiões, as uvas vão amadurecendo e começa a festa da uva, a vindima. A altura de iniciar a vindima é determinada de acordo com o estado de maturação das uvas e as condições climatéricas. À medida que os cachos amadurecem, a acidez dos bagos diminui e os teores de açúcar aumentam. É possível fazer análises por amostragem e procurar determinar a data da vindima em função da acidez e do grau de álcool previsível. Em relação às condições climatéricas, é desejável que não chova, já que a água e humidade absorvida pelos cachos é transmitida para o vinho.

As vindimas são um dos principais cartazes de promoção turística de várias regiões. Autarquias e empresas ligadas à produção do vinho tentam fazer cada uma o seu melhor, existindo programas variados de animação cultural, espectáculos musicais, bailes, provas de vinhos, gastronomia e exposições de arte. Não faltam propostas para quem quiser tomar contacto com tudo o que diz respeito a uma vindima, acompanhando todo o processo, desde o cortar e transportar das uvas, até ao engarrafar, encher pipas e servir vinho. Uma época mágica plena de actividades que representa o culminar de um ano de trabalho.

Fotografias (maravilhosas) de Domingos Alvão (um dos maiores fotógrafos portugueses do séc XIX. 1872 – 1946)

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