De olhos em bico

Já se sabe, o mundo do vinho é feito de modas e, agora, quem dita a moda são os países asiáticos, em particular a China que tem o maior poder de compra. Os produtores portugueses há muito que já se aperceberam disso e estão a ‘pegar a onda’. Os chineses são os maiores importadores de vinho francês de topo (e também os maiores falsificadores) chegando a construir châteaux idênticos aos de Bordéus com pedras e terra trazidos de origem, de forma a imitar os originais o melhor possível.
O dinheiro pode quase tudo, é verdade, e os chineses são caprichosos e capazes de grandes excentricidades. A juntar a estas situações, resolveram agora começar a comprar vinhos velhos, que até podem não apreciar, mas querem ter porque é sinónimo de estatuto. Há algum tempo, um produtor da região de Lisboa foi contactado por compradores da China interessados em adquirir vinhos velhos. Tintos com mais (e alguns menos) de 20 anos, que certamente já foram vendidos. No Alentejo, um enólogo e produtor reconhecido da nossa praça, viajou recentemente até Macau e, num dos mais importantes casinos da cidade, conseguiu logo despachar o seu stock do tinto da colheita de 2001. Não bastasse os vinhos velhos, os chineses agora também querem comprar verticais (vinhos da mesma marca de diferentes anos).
Que eu me recorde, em Portugal nunca vi à venda nenhuma vertical de vinho em garrafeiras ou supermercados. Não é hábito e nem os produtores estão à espera que o consumidor esteja interessado em provar vinhos de colheitas anteriores e, por isso, nem sequer guardam vinhos antigos com intuitos comerciais. Mas os chineses agora querem. Se os produtores tiverem verticais, muito bem, senão, podem chegar a ficar em maus lençóis… Outro conhecido produtor do Alentejo foi literalmente obrigado a recorrer à sua garrafeira particular para poder satisfazer um pedido do seu importador de Hong Kong e Macau, chegando mesmo a ser ameaçado: Se não tivesse várias colheitas da sua marca, as próximas encomendas de vinho poderiam vir a ser anuladas (para aquele importador, as verticais são determinantes para vender mais vinho).
Para não variar, em Portugal, a moda das verticais já chegou tarde. Há já algum tempo que diversas adegas internacionais bem conhecidas respondem às exigências dos consumidores chineses. Ainda recentemente, a renomada adega australiana Penfolds colocou à venda o seu mais caro conjunto de vinhos até à data, uma vertical completa que vai desde sua primeira colheita (1951), até 2007, avaliada em 1.2 milhões de euros. Cada uma das garrafas foi autenticada e assinada pelos enólogos da adega, incluindo os fundadores Max Schubert, John Duval e o actual proprietário, Peter Gago. Incluída nesta colecção está uma caixa com 13 garrafas Magnum, incluindo duas muito raras, a Bin 60A 2004 e a Bin 620 2008 Coonawarra Cabernet-Shiraz, assim como alguns vinhos para serem consumidos nos próximos 10 anos. Acredito que seja o conjunto de vinhos da Penfolds o mais caro vendido até agora. Os produtores portugueses podem não ter a sorte de ver os preços das suas verticais chegarem tão alto, mas ter a China interessada nos nossos vinhos já é muito bom, não só pelo bom nivelamento de qualidade que já possuímos no mercado internacional como pelo negócio que ajuda a combater a crise que hoje atravessamos.

