Artigo

A emergente cultura do vinho e do enoturismo na China

Depois de anos a importar vinho a granel para abastecer um mercado em rápida expansão, a China investe agora na produção nacional, na valorização do terroir e na criação de experiências enoturísticas. Yantai, na província de Shandong, lidera esta transformação. É a capital histórica do vinho chinês e um dos destinos emergentes para quem quer conhecer o novo rosto da vitivinicultura asiática.

A viticultura chinesa tem registado um crescimento expressivo nas últimas duas décadas, colocando a China entre os maiores produtores mundiais de vinho. Segundo o último relatório da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) de 2024, a China tem entre 120.000 a 150.000 hectares de vinhas dedicadas especificamente à produção de uvas para vinho. Esta área representa uma parcela menor do total da vinha no país, pois a maior parte (cerca de 85%) é destinada a uvas de mesa.

Dentro deste panorama nacional, destaca-se a região de Yantai, na província de Shandong, considerada o berço da moderna indústria vinícola da China. Situada na costa leste do país, Yantai beneficia de um clima marítimo temperado, com verões quentes e húmidos e invernos frios, características que favorecem o cultivo de uvas de qualidade (a influência oceânica ajuda a suavizar as amplitudes térmicas extremas e favorece uma maturação mais equilibrada das uvas). A região foi uma das primeiras a atrair investimento estrangeiro para a vitivinicultura, tendo sido ali fundada, em 1892, a Changyu Pioneer Wine Company, a mais antiga e uma das maiores adegas da China.

Os solos de Yantai são maioritariamente argilo-arenosos, bem drenados e em algumas zonas apresentam subsolos calcários ou graníticos, criando condições propícias para o cultivo de videiras de qualidade. Esta combinação de clima e solo tem permitido o desenvolvimento de um terroir com identidade própria, embora sujeito a desafios sazonais como a humidade elevada durante o verão, que exige cuidados rigorosos na gestão do vinhedo devido ao risco acrescido de doenças fúngicas.

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vinhedo em yantai 1938
Os solos de Yantai são maioritariamente argilo-arenosos



Apesar dessas limitações, Yantai continua a ser reconhecida como uma das regiões com maior potencial qualitativo do país, graças também aos fortes investimentos em inovação tecnológica, formação enológica e viticultura de precisão. A influência marítima, aliada a práticas modernas de vinificação e ao foco crescente na qualidade em detrimento da quantidade, posiciona Yantai como a referência na nova geração de vinhos chineses com ambição internacional.

A maior parte das plantações de Yantai são dominadas por castas francesas clássicas. Entre elas, a Cabernet Sauvignon assume um papel central, sendo amplamente valorizada pela sua capacidade de adaptação às diferentes condições climáticas e de solo, bem como pelo perfil encorpado dos vinhos que origina e pelo seu bom potencial de envelhecimento. Outras castas francesas relevantes incluem a Merlot, a Cabernet Franc, Syrah e Marselan (esta última uma variedade híbrida que tem vindo a ganhar espaço pela sua resistência a doenças e adaptação ao clima local). No segmento dos vinhos brancos, a Chardonnay domina nas vinhas brancas cultivadas, e são utilizadas para a produção de vinhos frescos, frutados e, em alguns casos, com estágio em barricas de carvalho.

Além das castas internacionais, a China cultiva variedades locais que reflectem as condições ambientais e os gostos dos consumidores nacionais. A Dragon Eye, ou Longyan é uma casta branca nativa também presente nas vinhas chinesas (embora em pouca quantidade, cerca de 5%), valorizada por produzir vinhos leves e aromáticos, especialmente consumidos no mercado interno. Outra casta importante é a Cabernet Gernischt, historicamente considerada típica da China, embora pesquisas recentes revelaram ser uma variante da Carmenère francesa, provavelmente introduzida via Chile. Esta casta cobre cerca de 10% das vinhas tintas chinesas e é fundamental para a produção de vinhos com perfil adaptado ao terroir chinês.

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Finalmente a  Baijixin (白吉新) (foneticamente soa mais ou menos a ‘Bái Jí Xīn’)  e é uma casta branca nativa menos difundida, presente em regiões específicas, contribuindo para a diversidade e adaptabilidade da produção local. Apesar da sua menor expressão, esta variedade é uma das responsáveis pela expansão da viticultura em zonas menos tradicionais.

A coexistência entre as castas francesas, responsáveis pela maior parte da produção, e as variedades chinesas, permite à indústria do vinho no país desenvolver uma identidade própria, alinhando-se com padrões internacionais e, simultaneamente, valorizar as especificidades locais. Esta combinação tem sido importante para a consolidação da China como um actor relevante no mercado global do vinho, com ambições de produzir vinhos de qualidade e reconhecimento internacional.

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O vinho e o Enoturismo

Durante muitos anos, a indústria vitivinícola chinesa viveu um cenário de contradição entre a construção de uma identidade nacional no sector e a dependência de vinho importado a granel. Houve anos em que os vinhos comercializados como produzidos na China, continham até 70% de vinho estrangeiro, oriundo sobretudo de países como Chile, Austrália, França e Espanha. Essa prática, embora legal face à regulamentação permissiva da época, levantava dúvidas quanto à autenticidade dos vinhos rotulados como chineses.

Entre 2010 e 2017, com o aumento do poder de compra e o crescimento acelerado da classe média urbana, o consumo de vinho disparou no país, ultrapassando a capacidade interna de produção de uvas viníferas de qualidade. Para suprir a procura, muitas adegas chinesas, incluindo grandes nomes como Changyu, Great Wall e Dynasty, optaram por importar volumes elevados de vinho a granel e misturá-lo com produção local. Em muitos casos, os vinhos eram apenas engarrafados em território chinês e rotulados como nacionais, sem qualquer menção à origem internacional da matéria-prima.

A partir de 2017, começaram a surgir mudanças significativas. O amadurecimento do mercado interno e a crescente aposta na exportação aumentaram a pressão por regras mais claras e maior credibilidade internacional. O governo chinês implementou novas medidas de controlo e rotulagem, incluindo a obrigatoriedade de indicar a origem do vinho quando este não é integralmente produzido na China e o estabelecimento de limites ao uso de vinho estrangeiro em produtos que se apresentem como locais.

Simultaneamente, foram reforçados os investimentos em regiões vitivinícolas com potencial, como Ningxia, Xinjiang, Hebei e Yunnan, com incentivos à plantação de castas adequadas ao terroir local, incluindo Cabernet Gernischt, Marselan, Syrah e Chardonnay. A criação de denominações de origem, a aposta em vinhos 100% locais e a adesão às normas internacionais da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) fazem agora parte da nova estratégia.

Actualmente, embora ainda existam vinhos mistos no mercado, a tendência dominante aponta para uma valorização da produção nacional, com foco na autenticidade e na construção de uma imagem própria. Produtores de regiões como Ningxia já começam a exportar para mercados exigentes, com vinhos feitos exclusivamente com uvas chinesas, mostrando que o país caminha para uma nova fase de consolidação e reputação internacional.

A utilização massiva de vinho importado foi uma etapa estratégica num setor em desenvolvimento. Hoje, representa um passado que muitos produtores pretendem ultrapassar. O futuro do vinho chinês, cada vez mais, será feito com uvas cultivadas na China, por enólogos locais, com identidade própria e ambição global.

Por fim, para quem quer entender melhor a região de yantai tem necessariamente de fazer uma visita obrigatória ao Centro Interpretativo da Vinha Qiushan, no distrito de Penglai. O espaço oferece aos visitantes uma visão detalhada da produção do vinho chinês, através de exposições que abordam a história, as castas locais e a evolução da viticultura na região.

Qiushan Valley, uma visita obrigatória
O centro interpretativo conta a história do vinho em Yantai
O território é explicado através de cartazes mas também de novas tecnologias em 3D
Cheirar os aromas do vinho chinês é outra das experiências existentes no centro



Uma das atrações de destaque do centro é a exibição de vídeos em 3D, que mostram, de forma clara e didática, todo o processo de produção do vinho, desde o cultivo das uvas até à vinificação e ao envelhecimento. Além das exposições permanentes, o Qiushan Center organiza ainda eventos sazonais, degustações e workshops educativos, que aprofundam o conhecimento dos visitantes sobre o sector vitivinícola local.