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O Saber dos vinhos D. Sancha

A Quinta Dona Sancha lançou recentemente novos vinhos e apresentou-os em Lisboa, numa prova conduzida pelo enólogo Paulo Nunes, ao lado do produtor Rui Parente. E não, não me enganei, são vinhos com muito sabor, é certo, mas também muito saber por detrás.

Para quem já assistiu, as provas coordenadas por Paulo Nunes são reconhecidas como verdadeiras lições de viticultura, abordando temas como o comportamento das castas em diferentes regiões, as maturações polifenólicas, a influência do terroir e a forma como se extrai o tanino. Embora possam parecer demasiado técnicas, estas explicações são essenciais para compreender plenamente os vinhos da Quinta Dona Sancha.

Entre as novas referências apresentadas destacaram-se o Quinta Dona Sancha Vinha Ancestral 2019 e o Quinta Dona Sancha Jaen 2022. O Vinha Ancestral é um tinto de vinhas velhas, produzido em edição limitada, que remete ao passado mais puro do Dão. Com aroma profundo e grande complexidade, revela um equilíbrio notável entre estrutura e elegância, culminando num final longo e expressivo. «É um vinho de guarda, pensado para perdurar e simbolizar a consolidação da marca e a sua visão de futuro, tornando-se o novo topo de gama tinto da Quinta», explica o produtor Rui Parente.

Quando Rui Parente iniciou o projeto, Paulo Nunes destacou desde o início a importância do produtor adquirir vinhas velhas para conferir maior personalidade aos vinhos. Assim fez. A vinha Ancestral tem registos que remontam a 1931 e está localizada na freguesia de Silgueiros, historicamente conhecida pela qualidade dos seus vinhos. Com cerca de 1 hectare, contém predominantemente Baga, mas também Rufete, Tinta Amarela, Tinta Pinheira e outras variedades, além de algumas vinhas brancas, como Malvasia Fina, Bical e Fernão Pires.  «Quero que este projeto seja geracional e, simultaneamente, carregado de significado emocional, com notoriedade e posicionamento sólido. Para que o projeto cresça, é essencial pensá-lo de forma séria, investigando ao máximo o potencial de cada vinha, diz Parente. «Esta diversidade de castas confere grande personalidade aos vinhos» complementa ainda Paulo Nunes.

O Quinta Dona Sancha Ancestral é o novo topo de gama do produtor
A Jaen é uma das mais emblemáticas castas do Dão



A Quinta Dona Sancha Vinha Ancestral 2019 estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês de 500 litros e permaneceu 4 anos em garrafa. O vinho apresenta cor rubi profunda, aroma intenso e excelente complexidade, com notas de frutos vermelhos e especiarias. No paladar, revela volume de boca marcante, acidez viva e bem integrada, com final longo e elegante, reafirmando o rigor e a atenção que Paulo Nunes sempre imprime aos seus vinhos.

O Quinta Dona Sancha Jaen 2022 revela a elegância desta casta emblemática do Dão, num registo moderno e preciso. De cor rubi profunda, apresenta taninos finos, frescura equilibrada e final persistente, revelando harmonia natural entre fruta, acidez e madeira.

Paulo Nunes explica que esta casta não era utilizada desde o início pelo produtor como monocasta, sendo destinada a lotes de outros vinhos. Contudo, a parcela da Serra de onde é proveniente revelou grande potencial, justificando a produção de um vinho com a variedade a solo. Segundo Paulo Nunes, «a Jaen é a casta mais plantada do Dão, historicamente utilizada pela produtividade, mas cuja qualidade nem sempre se tornava visível nos vinhos. Agora, graças a técnicas avançadas de viticultura, consegue expressar plenamente o seu potencial».

Da esq para a dirt: Diogo Santos (enólogo), Rui Parente (produtor); Paulo Nunes (enólogo) e Filipe Oliveira (viticólogo).



O segredo da qualidade do Quinta Dona Sancha Jaen está na matriz polifenólica, um misto de vinhas velhas bem localizadas, vindima no momento certo, fermentação e maceração controladas, estágio em madeira e envelhecimento em garrafa. Esta abordagem resulta em cor estável, taninos equilibrados e boa capacidade de envelhecimento. A vindima foi manual, em caixas de 20 kg, a fermentação decorreu em cubas de inox com temperatura controlada durante 17 dias, seguindo-se estágio de 12 meses em barricas de carvalho francês de 600 litros e 8 meses em garrafa.

O aumento do portfólio do produtor reflecte a maturidade do projecto iniciado em 2018, consolidando a filosofia da casa de preservar o património vitivinícola da sub-região de Silgueiros e interpretar o passado com um olhar contemporâneo. Vinhos de guarda, elegantes e profundos, resultam de um trabalho rigoroso e de leitura atenta das vinhas antigas e do seu enquadramento. Rui Parente acrescenta que «cada um dos vinhos é acompanhado de muito simbolismo e história. Valorizar o território do Dão, respeitando a natureza e a herança, mas com ambição de futuro, é a nossa prioridade».



Outros tesouros

Durante a prova, foram também apresentados outros vinhos de destaque, evidenciando a diversidade e qualidade das vinhas da propriedade. Entre os brancos, o Quinta Dona Sancha Avarenta 2023, blend de Encruzado, Bical e Cercial Branco, revelou grande complexidade, com aromas florais, notas de laranja e mel. No paladar é seco, fresco, untuoso e persistente, com fermentação em cubas de inox, estágio de 6 meses em inox (60% do lote) e 6 meses em barrica (40%), seguido de 12 meses em garrafa. O Dona Sancha Encruzado 2023, proveniente de vinhas com cerca de 32 anos, fermentou em barricas de carvalho francês a temperatura controlada, com 6 meses de estágio em barricas de 500 litros e 12 meses em garrafa, revelando notas florais e de mel, acidez equilibrada e madeira bem integrada, sem sobrepor-se à identidade da casta.

No lote de tintos, o Quinta Dona Sancha Touriga Nacional 2021 destacou-se pelo nariz intenso, notas de fruta preta madura, estrutura elegante e final longo, com 12 meses de estágio em barricas de carvalho francês de 500 litros e 24 meses em garrafa. O Dona Sancha Avarenta Touriga Nacional 2022 apresentou aroma ainda fechado, notas vegetais, balsâmicas e de pinheiro, taninos vivos, acidez equilibrada e final persistente, com fermentação em cubas de inox, estágio de 12 meses em cubas, 8 meses em barricas de carvalho francês de 500 litros, 13 a 18 meses em tonéis de 2.500 litros (43% do lote) e 8 meses em garrafa. Paulo Nunes destacou a influência dos solos graníticos do Dão, que mantêm os vinhos frescos, com acidez elevada e álcool equilibrado.

Estes vinhos evidenciam o cuidado na viticultura, a seleção rigorosa das castas e a atenção à vinificação, revelando a complexidade e o carácter distintivo da Quinta Dona Sancha. Com cerca de 50 hectares de vinha, a propriedade continua a honrar a tradição e a preservar o património, consolidando-se como uma referência de autenticidade e elegância na região do Dão.