Crónica

Quanta Terra, Quanta Arte

Conheço o Celso Pereira e o Jorge Alves há tempo suficiente para saber que nenhum dos dois faz nada por acaso. Acompanho o projeto Quanta Terra desde o início e sempre o vi como um encontro feliz entre técnica e emoção. Amigos de longa data, os dois enólogos  partilham uma mesma linguagem, feita de respeito pelo Douro e curiosidade pelo que está além dele.

Ao longo dos anos, construíram uma marca sólida e coerente, fiel às origens mas nunca previsível. É um projeto que amadureceu como os seus vinhos, com tempo, paciência e a certeza de que cada colheita é apenas um capítulo de uma história maior.

Desta vez, essa história levou-me ao Solar dos Presuntos, onde o Douro veio a Lisboa fazer enoturismo urbano já que os enólogos vieram contar a sua história, comemorar os 25 anos da adega Quanta Terra e apresentar o novo Terra ÍRIS tinto 2019, um vinho que nasce da parceria que têm com Alexandre Farto (Vhils) que levou o espírito do Douro para o território da arte contemporânea.

Vhils, um dos artistas plásticos portugueses mais reconhecidos internacionalmente, habituado a trabalhar em materiais como paredes,  tijolo, madeira ou metal, para revelar rostos e formas escondidas, desta vez criou uma intervenção direta sobre o vidro de 250 garrafas magnum de 5 litros, transformando cada uma numa peça única, assinada e irrepetível. Tal como o próprio nome indica, a inspiração foi a íris, símbolo de identidade e de olhar, uma metáfora perfeita para um projeto que sempre procurou ver mais longe. As garrafas foram quase todas leiloadas pela Palácio do Correio Velho, com o valor integral destinado aos Bombeiros Voluntários de Favaios, numa homenagem justa a quem protege o Douro e as suas vinhas.

Para Vhils, trabalhar o vidro é um processo de revelação, do visível e do invisível. No fundo, não é muito diferente do trabalho de um enólogo. Também ele revela, através do vinho, o que a terra e o tempo guardam. A fusão entre os dois mundos, arte e vinho, ganha aqui uma força rara. A garrafa deixa de ser apenas recipiente e torna-se objeto de diálogo entre matéria, território e identidade, algo que sobrevive ao vinho e o ultrapassa.

Quanto ao vinho, propriamente dito – o Terra ÍRIS 2019 – é um tinto de estrutura e profundidade, com notas de fruta preta, especiarias e mineralidade, a revelar um Douro firme mas contido, poderoso e elegante em simultâneo. Na boca, mostra-se equilibrado, seco, com acidez viva e final persistente, um vinho de grande precisão e personalidade.

Num tempo em que o vinho se discute tanto em torno de modas e tendências, a Quanta Terra continua a apostar na consistência e no detalhe. E talvez seja isso o que a torna tão duradoura, a capacidade de evoluir sem perder o essencial. Vinte e cinco anos depois, Celso Pereira e Jorge Alves mantêm-se fiéis à sua filosofia, fazer vinhos que falem por si, mas que também contem uma história. E, neste caso, uma história que atravessa o Douro, Lisboa, a arte e a solidariedade.