Artigo

Santa Julia reforça aposta no enoturismo com nova adega

A Bodega Santa Julia, propriedade da família Zuccardi, em Mendoza, na Argentina, está a construir uma nova adega com abertura prevista para o próximo ano. Este é um reforço no enoturismo e na produção sustentável que a distingue desde 1999.

Situada em Maipú, em Mendoza, (Argentina), Santa Julia é uma das adegas familiares mais emblemáticas da região. A história da família Zuccardi começou com Alberto ‘Tito’ Zuccardi, engenheiro de ascendência italiana, nascido já no norte da Argentina e casado com Emma, uma senhora de Mendoza. Essa herança italiana e mendozina fez com que o vinho corresse naturalmente nas veias do clã familiar.

Em 1950, Tito começou a experimentar novos sistemas de irrigação em Mendoza e, em 1963, plantou as suas primeiras vinhas em Maipú com o objectivo de testar esses mesmos sistemas, fruto do seu espírito inovador e visão pioneira. O sucesso dessa experiência abriu caminho para um projecto vitivinícola que se tornaria uma referência na Argentina.

Já em 1982, a família Zuccardi deu um passo decisivo ao iniciar a produção de vinhos sob a denominação Bodega Santa Julia, nome da filha de José Alberto Zuccardi (Julia), que nasceu nesse ano, o que veio a consolidar um compromisso familiar cada vez maior com a qualidade dos vinhos argentinos e a sustentabilidade. Mais tarde, em 1990, iniciaram as primeiras exportações e entrou ao serviço Ruben Ruffo, o enólogo, ainda hoje o responsável técnico da adega.

A Bodega Santa Julia é uma das mais emblemáticas adegas familiares de Mendoza
Emma e Alberto (Tito) Zuccardi (em cima), e o filho, José Alberto Zuccardi (em baixo)
A nova adega (em baixo) ainda está em obras, mas o interior está muito adiantado



Actualmente, a gestão de Santa Julia está nas mãos da segunda e terceira gerações da família Zuccardi. José Alberto Zuccardi, engenheiro agrónomo de formação, juntamente com os filhos Sebastián, Julia e Miguel, divide responsabilidades em áreas distintas – vinhas, azeite e enoturismo – mantendo vivo o conceito familiar da adega.

Julia Zuccardi lidera o Enoturismo desde o ano 2000, área em que a Santa Julia também se tem destacado nos últimos anos. Sob a sua direção, a adega oferece diversas experiências aos visitantes, que incluem passeios pelas vinhas, degustações, workshops de cozinha e exposições de arte. Ela e o pai, José Alberto, têm sido os principais responsáveis pela introdução de práticas sustentáveis na adega. José Alberto ingressou na Bodega Santa Julia em 1976, após o falecimento de seu pai Alberto Zuccardi. Considerado uma das figuras mais influentes do vinho argentino, José Alberto expandiu significativamente a adega, tornando-a numa das mais respeitadas da Argentina.

Com 185 hectares de vinha e 125 de olival, Santa Julia foi a primeira adega argentina a certificar as suas vinhas como orgânicas em 1999. Nas variedades tintas produzidas destacam-se a Malbec, Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Bonarda e Pinot Noir; e nas brancas a Chardonnay, Sauvignon Blanc, Torrontés e Viognier. Mas existem também outras experimentais, menos comuns na Argentina, como a Albariño, Bourbulenc, Falanghina (brancas), a Ancellotta, Aglianico, Caladoc ou Graciano (tintas), que foram plantadas a partir de 1995 no intuito de vir a fazer vinhos diferentes.

Julia Zuccardi, filha de José Alberto, é hoje a responsável de Enoturismo

Mas o compromisso da Bodega Santa Julia com a sustentabilidade vai muito mais além. A preocupação ambiental está presente em cada detalhe, desde os sistemas de recuperação de água e o uso de combustíveis orgânicos, até à separação de resíduos para reciclagem.
O diferencial da Santa Julia continua também na acções sociais do grupo, já que mantêm um centro cultural aberto a trabalhadores e à comunidade local, com sala multiusos, centro de informática, academia e biblioteca. A educação é um dos pilares da empresa: oferece ensino fundamental e médio aos trabalhadores, colabora com escolas próximas em Maipú, Santa Rosa e no Vale do Uco, e mantém creches para os filhos dos colaboradores e moradores da região, facilitando a reintegração profissional das mães. As salas de aula, próximas das vinhas, permitem que os funcionários concluam os estudos durante o horário de trabalho, com custos integralmente suportados pela empresa. Um dos marcos mais emocionantes foi, em 2021, a formatura de 68 funcionários que concluíram o ensino médio nas instalações da adega.

Outro projecto emblemático são as oficinas de costura, iniciadas por Emma Zuccardi (mulher de Tito Zuccardi). Localizadas em Maipú e em Santa Rosa, são administradas por mulheres, muitas delas esposas de trabalhadores, e produzem roupas tanto para a empresa quanto para clientes externos, incentivando o empreendedorismo feminino e o desenvolvimento económico e pessoal da comunidade.

Além disso, a Bodega Santa Julia foi o primeiro produtor argentino a obter a certificação Fair Trade International (FLO), conhecida como ‘Justo para a Vida’, que garante práticas éticas e sustentáveis em toda a cadeia produtiva. Parte do valor das vendas (4% do preço final) é destinada a um fundo gerido por uma comissão de funcionários, que define o uso social desses recursos, reforçando o compromisso da empresa com uma viticultura justa, responsável e humana.



O investimento no Enoturismo

O enoturismo é um dos grandes pilares da Bodega Santa Julia, e a ‘Casa del Visitante’, inaugurada em 2001, foi o primeiro restaurante dentro de uma adega na Argentina, tornando  Santa Julia pioneira também nesta área. Rodeado por vinhas, o espaço serve cozinha tradicional argentina com apresentação contemporânea e um serviço de vinhos impecável, conduzido por sommeliers experientes.

Entre os destaques da casa estão as lendárias Empanadas servidas como entrada, uma tradição que homenageia María del Carmen Vicario, carinhosamente conhecida como ‘la Chacha’. Figura inseparável da história da família Zuccardi, aprendeu a cozinhar aos sete anos ajudando a mãe e, desde então, tornou-se um ícone da gastronomia local. As suas empanadas, cozidas em fornos de barro, encantam visitantes e críticos com os seus sabores caseiros. Ali são servidas três versões: uma com carne, azeitonas e ovo; outra com queijo fontina, mozzarela e gorgonzola; e a última com legumes da estação, todas acompanhadas por um suculento molho de tomate caseiro.

Chacha (María del Carmen Vicario) é famosa pelas suas empanadas argentinas
Os pratos do restaurante reflectem o melhor da cozinha mendozina



Além das empanadas, o restaurante oferece ainda uma selecção de pratos que reflectem o melhor da gastronomia mendozina, com ingredientes frescos e locais. Entre as opções, destacam-se o bife ribeye, o bife de flanco de porco, o chouriço caseiro e o cabrito, acompanhados por salada de alcachofra assada, quinoa e azeite; abóbora, azeite de cenoura e rúcula; o mix de folhas verdes com cebola comprimida, limonada e pistachios cristalizados; e batatas com molho de cebolas grelhadas, couves de Bruxelas e pó de alcaparras. Para finalizar, a experiência é coroada com uma sobremesas irresistíveis, apresentadas num carrinho de queijos locais e doces caseiros, servidos com bolo de caramelo e doce de leite de vaca. Para quem desejar prolongar o prazer, há ainda um serviço de café com petits fours e a sugestão de um bolo caseiro. No final, sentimos que na Casa del Visitante, cada refeição termina com um toque de afecto.

Além do restaurante, Santa Julia oferece visitas guiadas às vinhas, à adega e ao lagar, passeios de bicicleta entre as vinhas, exposições artísticas e workshops de cozinha, vinho e azeite (a propriedade conta ainda com um lagar moderno, referência na produção de azeite de elevada qualidade). Os visitantes podem ainda participar em provas de vinhos naturais, entre os quais se destacam rótulos como La Vaquita, El Burro e El Cordero, entre outros, vinhos naturais de pequena produção, expressivos, com rótulos muito coloridos e criativos, que refletem a filosofia natural da casa, desenhados por pessoas com síndome de Asperger  (Perturbação do Espectro do Autismo).

Com o apoio do enólogo Rubén Ruffo, Santa Julia continua a expandir o seu portefólio e prepara-se para abrir a nova adega no próximo ano, desenhada para acolher visitantes e reforçar a experiência enoturística. A nova instalação terá capacidade para 100.000 litros e funcionará como um centro de produção e visitas, com o objetivo de receber até 70.000 visitantes anuais. Além da produção de vinhos naturais, a adega oferecerá experiências imersivas que vão permitir aos visitantes conhecer o processo de vinificação, desde a vinha até a garrafa, sem aditivos ou sulfitos. E, obviamente, as experiências vão continuar a incluir degustações e refeições no restaurante Casa del Visitante.