Vaca fugitiva dá origem a marca de vinhos

Tudo começou com uma vaca rebelde. Numa manhã aparentemente comum, o animal escapou de uma quinta vizinha, atravessou as vinhas desta propriedade em Yantai, e desapareceu pelas colinas. A cena, insólita e engraçada, inspirou a família Leung a dar à adega o nome de Runaway Cow. A marca, que pretende romper com os padrões convencionais do vinho chinês, é uma das mais ousadas da região de Yantai ao produzir vinhos naturais.
Na costa oriental da China, na província de Shandong, nasceu uma das mais originais propostas de vinho e enoturismo do país. Situada nos arredores do aeroporto de Yantai, a Runaway Cow, com cerca de 40 hectares, distingue-se sobretudo pela forma como conjuga arquitetura contemporânea, hospitalidade de luxo e uma narrativa bem-humorada com raízes numa história real. «Tudo começou com o episódio da vaca», contou Arthur Leung, um dos empresários fundadores, com formação em engenharia e MBA, em entrevista ao ‘Shandong Chine Daily’. «Ela fugiu de uma quinta próxima, entrou pelas nossas vinhas e desapareceu. Nunca mais a vimos. Mas ficou a imagem e a ideia de que este espaço podia ser também uma forma de libertar o vinho chinês de certas amarras», rematou.
Fundada em 2018, a adega produz vinhos naturais e aposta também no enoturismo. O edifício é da autoria do arquiteto Allan Ting, em colaboração com Kelvin Tam e Darren Kong, do estúdio internacional ADARC / MCGSNS, aliando funcionalidade e irreverência estética numa proposta que integra harmoniosamente a adega com a paisagem do Vale de Qiushan. No local, há ainda um hotel com 47 quartos, ginásio, um jardim afundado, cave de barricas e uma garagem de design futurista, além de um restaurante cantonês de topo liderado pela equipa do prestigiado Canton 8, originário de Hong Kong. Ali, saboreia-se gastronomia sofisticada e podem provar-se os vinhos da adega desenhados pelo enólogo Pascal Durand, especialista em vinhos da Borgonha e sócio de Leung. Todo o projecto está desenvolvido com forte ênfase na experiência sensorial. O enoturismo surge como pilar estratégico, numa altura em que o mercado interno chinês continua a apresentar desafios para a comercialização de vinho, apesar da evolução na qualidade.
A adega encontra-se muito bem localizada junto à aldeia de Mulangou, estando próxima de projetos de referência como Longdai, da Domaines Barons de Rothschild (Lafite), ou da adega Treaty Port, numa zona que já é um dos mais interessantes clusters de vinho e turismo na China. A marca já está a sobressair com vinhos de sólida qualidade no panorama vitivinícola chinês e prevê-se uma produção anual que pretende atingir as 300.000 garrafas, assim que todas as vinhas próprias estiverem em pleno rendimento.
O clima na região é relativamente moderado, com amplas horas de sol e humidade elevada, resultando em boas oscilações térmicas diurnas, condições ideais para amadurecimento de bagos de qualidade. Os solos são bem drenados, muitas vezes com matriz calcária e areia misturada com sedimentos aluviais, que resultam em vinhos elegantes e aromáticos.
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No universo ainda jovem do vinho chinês, onde muitos produtores apostam em modelos clássicos, a Runaway Cow Winery faz exatamente o oposto estando a captar atenção pelo seu estilo provocador, abordagem artesanal e uma narrativa que rompe com as convenções do sector. A filosofia da casa reflecte-se nos vinhos produzidos, são naturais produzidos com a tão falada ‘mínima intervenção’ onde, acima de tudo, a expressão do terroir local é valorizada. A produção, reduzida e artesanal, é ainda complementada por um espaço que une arte, cultura e enologia, reforçando assim a identidade da Runaway Cow.
Na adega, localizada numa antiga fábrica de cerâmica convertida num espaço de produção e galeria de arte entram as uvas Chardonnay, Petit Manseng (brancas), Pinot Noir, Cabernet Sauvignon , Cabernet Franc , Marselan, Petit Verdot, Petit Manseng, Cabernet Gernischt e Syrah (tintas), entre outras (que perfazem dezassete no total) oriundas da propriedade mas também de pequenos viticultores locais, com práticas sustentáveis e parcelas limitadas. A vinificação é feita em ânforas, cubas de inox e barricas usadas, dependendo da casta e do ano, e do perfil que se pretende. Não há filtragem, clarificação ou adição de leveduras comerciais, e o uso de sulfitos é reduzido ao mínimo. Os vinhos resultantes são, segundo os próprios fundadores, «imperfeitos, vivos e únicos». Um dos rótulos mais conhecidos, o Unfiltered Syrah 2021, apresenta-se turvo, com aromas intensos de ameixa seca, especiarias e notas terrosas. Outro, o Orange Cow, feito a partir de Petit Manseng com maceração prolongada, é um vinho de cor âmbar, textura densa e final salino, algo pouco habitual no panorama chinês.
A cave, onde fermentam as ânforas é partilhada muitas vezes com artistas locais, que ali montam instalações, exposições temporárias e concertos experimentais. Há também sessões mensais de provas abertas ao público, muitas vezes acompanhadas por performances diversas, poesia ou gastronomia local reinventada.
O marketing da marca é igualmente distinto. Em vez de campanhas publicitárias convencionais, optam por zines (o nome vem de magazine, mas estas são publicações independentes e artesanais, geralmente feitas em pequenas tiragens, com conteúdos autorais ou alternativos), ilustrações manuais, garrafas numeradas com etiquetas serigrafadas e merchandising fora do comum (como sacos com slogans irreverentes, pins em forma de vaca e colaborações com marcas de skate e moda urbana).
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Apesar da sua pequena produção, a Runaway Cow já chegou a cartas de vinhos em Xangai, Pequim, Tóquio e até Berlim, onde tem vindo a ganhar destaque entre sommeliers atentos ao movimento ‘low-intervention’. A sua comunicação em inglês e estética contemporânea facilita a internacionalização, mas é sobretudo o conteúdo da garrafa que está a mudar a percepção do vinho chinês como algo padronizado ou previsível.
Apesar da sua estratégia promocional, a Runaway Cow não recebe visitas espontâneas. É sempre preciso marcar com antecedência e estar preparado para uma experiência pouco ortodoxa que pode incluir provas às cegas com luz baixa, harmonizações com pratos locais reinterpretados ou conversas improvisadas com artistas residentes. Quem não conseguir visitar, pode acompanhar a adega no WeChat, Instagram ou no pequeno jornal impresso que lançam três vezes por ano, onde partilham notas de vindima, textos de reflexão e até receitas.
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