Artigo

Maturana Tinta, intensa e apaixonante

Esta história ocorreu há alguns anos, mas permanece atual, já que a recuperação de castas é um trabalho valioso e uma realidade no Velho Mundo, especialmente em países como Portugal, Espanha ou Itália, que possuem uma impressionante riqueza de variedades autóctones. Falamos hoje da Maturana Tinta, uma casta espanhola que esteve quase à beira da extinção, mas a Rioja reagiu a tempo e iniciou um intenso trabalho de recuperação. É uma variedade que dá origem a vinhos marcantes, elegantes e muito equilibrados.

Tal como está a acontecer em Portugal, também em Espanha se começaram a valorizar e a recuperar castas em várias regiões vitivinícolas. Na Rioja, onde estive pela última vez em 2018 a visitar várias adegas, provei vinhos da casta Maturana Tinta, incluindo um produzido pela adega Vivanco que recordo com um dos vinhos que mais me marcaram no meu percurso profissional. Mas vamos por partes…   

Em 1988 várias entidades (o Conselho Regulador do D.O.Ca. Rioja, o Governo de Rioja, a Universidade de Rioja, e a bodega Viña Ijalba) iniciaram um projeto que teve como objectivo a afirmação da qualidade, diferenciação e defesa de património vitivinícola de Rioja. Este projecto iniciou com um levantamento de vinhas da Rioja para identificar variedades minoritárias para recuperação o que deu origem, em 1993, à plantação de uma vinha experimental de germoplasma (unidades conservadoras de material genético de uso imediato ou com potencial de uso futuro), ao redor da adega de Viña Ijalba. Ali se cultivaram 100 variedades diferentes, 70 das quais castas autóctones de Rioja. O grupo considerou a Maturana Tinta, entre outras, uma das variedades mais promissoras para ser recuperada. Foi assim que, em 1997, a Viña Ijalba plantou a sua primeira vinha de Maturana Tinta, e continuou a pesquisar e investir na propriedade, tendo o primeiro vinho monovarietal de Maturana Tinta sido lançado em 2003.

Antes deste projeto, a Maturana estava à beira da extinção. A filoxera foi uma das principais causadoras desta situação e, desde o final do século XIX, os produtores começaram a investir mais em castas mais produtivas e conhecidas do mercado vitivinícola. As vinhas Maturana Tinta que existiam foram morrendo naturalmente e nunca foram substituídas.



Segundo o Conselho Regulador da Rioja D.O.Ca., com este trabalho de recuperação, em 2019 já existiam 155,51 hectares de Maturana Tinta plantados na Rioja. E uma das razões pela qual começou a ser tão utilizada, foi porque o Conselho Regulador permitiu que a Maturana Tinta D.O.Ca. começasse a fazer parte da composição dos grandes vinhos tintos da Rioja.

Não tive o prazer de provar o primeiro vinho desta casta da Viña Ijalba mas, quando em 2018 regressei à Rioja, não só voltei a visitar várias adegas e provei vários vinhos de Maturana Tinta, como tive o privilégio de regressar à Bodega Vivanco, onde provei o seu vinho produzido com esta casta (da colheita de 2014). Nessa altura, conversei com Santiago Vivanco, um dos seus proprietários e membro da quarta geração de uma família tradicionalmente ligada ao vinho.

Embora Santiago seja mais ligado à parte cultural e humanística da Vivanco (ele é director do Museu do Vinho ali existente e o irmão Rafael Vivanco pela parte técnica e enológica da adega) explicou-nos que a Maturana Tinta é uma casta singular, que só pode ser encontrada na Rioja (segundo pesquisas genéticas, é uma variedade originária do Sudoeste da França chamada Castets, no entanto, acabou por se extinguir).

Segundo explicou Santiago, a adega implementou práticas enológicas que respeitam o terroir e as tradições, mas incorporam técnicas modernas para garantir que os vinhos Vivanco expressem autenticidade, elegância e complexidade. Por exemplo, a adega desenvolveu linhas de vinhos que reflectem a diversidade da Rioja, desde vinhos jovens e frescos até reservas que evidenciam o envelhecimento e o caráter histórico das castas locais. Este equilíbrio entre a valorização cultural promovida na adega e no museu, e a excelência enológica conduzida pelo seu irmão Rafael cria um círculo virtuoso: o museu contextualiza a história e a identidade do vinho, enriquecendo o património cultural, enquanto a adega traduz essa herança em vinhos que emocionam e conquistam mercados internacionais. Juntos, os irmãos Vivanco contribuem para que o vinho da Rioja seja reconhecido como um símbolo cultural, carregado de memórias que devem ser preservadas.

Voltando à Maturana Tinta, a casta tem cachos pequenos e compactos. O seu amadurecimento é precoce, seguindo um ciclo semelhante à da casta Tempranillo no que diz respeito à rápida acumulação de açúcares. Uma alta concentração de compostos fenólicos, especialmente antocianinas, produz vinhos com cor granada profunda e de alta intensidade. A variedade também possui um aroma mais intenso, elevada acidez e produz vinhos com teor alcoólico médio a elevado. Na vinha, é uma casta que gosta de solos calcários-argilosos e de altitudes elevadas, como as da Rioja Alta. Esta variedade tem uma boa resistência à seca e uma boa resistência a doenças como ao oídio.

(da esq para a dir, o jornalista espanhol José Luís Murcia, Maria João de Almeida e Santiago Vivanco)


Vivanco Maturana Tinta 2014

Seguindo a tendência e a filosofia de valorizar as variedades existentes da região, a bodega Vivanco também investiu tempo e investigação nesta casta, que deu origem a este vinho profundo. Como já foi dito, a colheita de 2014 foi provada em 2017, ‘in-loco’,  

Para fazer este vinho, a vindima foi manual, em caixas de 10 kg, imediatamente colocadas em câmara fria a 3°C de temperatura. Depois, foram seleccionados os melhores cachos e bagos na adega, com desengace e esmagamento suave. O mosto segue depois para tonéis de carvalho francês, sem remontagem. Macerado a frio e fermentado por 20 dias com leveduras nativas. A passagem foi feita por gravidade para barricas novas e de segundo ano de carvalho francês antes da fermentação maloláctica. Estagiou seguidamente 14 meses em barricas de diferentes tanoarias, com diferentes graus de tostagem e procedência, sem trasfega e sobre borras até ao engarrafamento, com bâtonnages periódicas durante os primeiros meses. O vinho foi engarrafado sem filtragem ou colagem.

De cor púrpura profunda revelou um aroma a frutos pretos, com notas de especiaria onde se evidenciou a pimenta preta e algum cravinho, complementado com bonitas notas minerais e balsâmicas. No paladar é frutado, balsâmico, denso, com uma acidez incrível. É daqueles vinhos que nos envolve sem agredir, de grande elegância e  frescura Um dos melhores vinhos que provei nos últimos anos, vibrante e com um longo final de boca.

Recentemente, abri uma segunda garrafa que trouxe para casa e voltei a ficar impressionada. A juventude do vinho estava mais contida, é certo, mas ainda era um vinho enérgico e surpreendente para a idade, tendo sido o complemento de uma refeição intensa e muito variada. (aconselho porco preto, borrego, cabrito, esse género de refeição).

Recorde-se que a Bodegas Vivanco encontra-se localizada em Briones, entre a Serra da Cantábria e o rio Ebro, tendo nascido com o propósito de criar vinhos de alta qualidade na Rioja, numa adega subterrânea muito funcional onde existem condições ideais de temperatura para a produção de vinhos de excelência. Rafael Vivanco, irmão de Santiago, é pioneiro na pesquisa e experimentação de diferentes formas de cultivo, implementando uma filosofia na região cada vez mais praticada de respeito pelo ambiente e, especialmente, no terroir e na paisagem que rodeia a propriedade.